quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

As terras no Estado do Pará





As novas terras
das cidades II




Eles começam a ver o que deveria ser feito. Em dois condomínios do programa do governo federal Minha Casa Minha Vida, com um total de 2.500 casas em construção na periferia de Marabá, não detectaram linhas regulares de ônibus capazes de evitar o isolamento dos novos bairros. “As obras acontecem de forma atabalhoada, mais pela possibilidade de acesso a recursos do que como resultado de um planejamento consistente e coerente”, concluiu Ana Claudia.

Condomínios populares em situações semelhantes tomam forma também em Parauapebas e Canaã dos Carajás. “Metade da área urbana de Parauapebas é loteamento, porque quem chega, em vez de comprar apenas um terreno, compra quatro ou cinco, já que o preço da terra é baixo”, ela observou. “A consequência são cidades cheias de espaços vazios.” A urbanização, por sua vez, transforma radicalmente a paisagem natural: “Os topos de morros e as margens dos rios, que deveriam ser preservados, estão carecas em todas as cidades que passamos”.

Espaços híbridos

Roberto Monte-Mor, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Urbis, voltou angustiado da expedição. “Vimos um processo de destruição total, estradas asfaltadas, muita gente ganhando dinheiro com venda de terrenos e motos.” Em Tucumã as motocicletas e motonetas respondem por 80% da frota de veículos e em Parauapebas e Marabá por 50%.

“O que estamos vendo no Pará”, disse Monte-Mor em um seminário no final de outubro na UFPA, “é o espaço urbanizado que é ao mesmo tempo campo e cidade, não é nenhum dos dois, mas integra os dois”. Arquiteto e urbanista de 65 anos que percorre a Amazônia há 40 anos, trabalha há 30 anos com economistas e há 15 com geógrafos, Monte-Mor lançou em 2004 o conceito de urbanização extensiva, que a equipe do Urbis adotou para analisar o espaço urbano na Amazônia. “Os limites da cidade se expandiram e o território rural sofreu um processo de urbanização. Quem mora no campo também quer viver como na cidade, com eletricidade, TV por satélite e senso de cidadania. A cidade jogou seus tentáculos sobre o campo”, observou.

Não são fenômenos exclusivos da Amazônia. A partir de 1960 a construção de estradas e a ampliação das redes de eletricidade, telefonia e saneamento têm levado o conforto da cidade para os moradores do campo por todo o país. Monte-Mor tem encontrado fenômenos similares em aldeias indígenas do norte de Minas Gerais, cujos moradores reivindicam eletricidade e ruas pavimentadas em frente de suas casas de alvenaria.

Do ponto de vista econômico, as cidades da primeira região percorrida estão bem, crescendo e gerando riquezas. Por causa principalmente da mineração e da agropecuária, a participação da renda bruta dos municípios da Urbis-1 na economia do Pará passou de 8,6% em 1996 para 20% no final da década seguinte. Em Canaã dos Carajás, um dos maiores projetos de exploração de minério de ferro do mundo, com investimentos estimados em US$ 20 bilhões, motivou a construção de estradas, puxou o preço da terra e atraiu novos moradores: a população do município deve passar de 20 mil para 100 mil em 10 anos. Nem sempre, porém, a construção de casas acompanha o ritmo de chegada dos migrantes. “Desde 2002 o perímetro urbano de Canaã dos Carajás mudou mais de seis vezes”, como registrado em um dos relatórios do Urbis, “com a constituição de bolsões de pobreza em 19 assentamentos informais instalados em áreas públicas”.
É difícil encontrar paraenses nessas cidades do Pará, porque a maioria dos moradores veio de outras regiões do país. Em Parauapebas, reconhecida como cidade em 1985, 56% dos moradores são migrantes ou filhos de migrantes. Em Canaã dos Carajás – cidade ainda mais nova, reconhecida em 1994 –, 54% dos moradores vieram de outros estados. Canaã apresenta uma das maiores taxas anuais de crescimento populacional do país, de 18,11%; a média nacional é 1,55%.

Bois e praias

Em São Félix do Xingu o rebanho bovino cresceu de modo impressionante – de 9 mil cabeças em 1994, 682 mil em 1999, 1 milhão em 2001, 2 milhões (declarados) em 2010, o que implica uma média de 22 bois para cada morador. “Em 1980”, testemunhou Monte-Mor, “São Félix era uma vila perdida em um mundo arcaico, com menos de 2 mil habitantes, e de repente se transformou em uma cidade de quase 50 mil pessoas, com lojas imensas de produtos químicos, anúncios de rodeios e placas de protesto do Greenpeace. São Félix e Xinguara têm gado dos dois lados do rio, tudo desmatado, não têm mais castanhais. É triste ver a expulsão dos camponeses e dos seringueiros. É triste ver os moradores discutindo o que é pior, se a mineração ou a pecuária. O desmatamento foi brutal. Vai deixar de ser Amazônia logo, logo”.




As garras do espaço urbano: a cidade de Itaituba, oeste do Pará, avançando sobre a floresta

Muita gente vai se divertir nas praias fluviais ou pescar nos rios de São Félix do Xingu e Marabá. Monte-Mor, que esteve na região em 1984 e em 2001, espantou-se ao ver centenas de barracas vendendo peixe na areia e dezenas de jet-skis cortando o rio Xingu: “Turismo tão popular quanto este nunca tinha visto. O diabo é a música. Caixas de som monstruosas e música péssima.”

“Estamos diante do desafio de combinar as muitas Amazônias, de explorar elementos integradores e enfatizar diferenças internas”, ressaltou Monte-Mor. Fábio Silva vê o risco de mais uma vez se confiar em empreendimentos econômicos de grande porte como forma de promover a economia da região Norte: “Os grandes projetos servem ao país e ao mundo, mas a longo prazo não trouxeram a esperada melhoria para a região”.

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